A pergunta de Bento XVI causou espanto precisamente por ser
ele o maior líder da igreja católica no mundo. Como entender uma pessoa
considerada em seu segmento religioso como “representante de Deus” fazer uma
indagação de natureza teológica que revela tanta perplexidade?
Na verdade, o pano de fundo da pergunta papal não é apenas
de natureza teológica, mas também de matriz emocional. O Papa, sendo um homem
como qualquer de nós, lida com os mesmos dilemas existenciais que rondam a alma
de todos os mortais. Se Deus existe e é o soberano do universo, porque não
intervém diante de monstruosidades como a que levou à morte 1,5 milhão de
pessoas no inferno nazista de Auschwitz? Porquê tanta coisa ruim acontece a
pessoas que parecem ser tão boas?
A primeira lição dessa visita papal é exatamente a sua
humanidade transparecendo numa pessoa como Elias, que “…era homem semelhante a
nós, sujeito aos mesmos sentimentos…” ( Tiago 5;17 ). O Papa é um grande líder,
é o chefe do Estado do Vaticano e o grande dirigente da Igreja Católica. Muitos
Papas anteriores foram pessoas notáveis, religiosos de extrema visão
humanitária. Mas sempre homens, pessoas como todos nós, cheias de indagações e
de perplexidades residindo na alma. Ou mesmo como Elias, deprimidos e cheios de
dúvidas e de medos habitando no coração.
A outra lição tem a ver com a nossa convicção teológica.
Como Deus age e como intervém na história dos homens? Mesmo diante de perguntas
aparentemente sem resposta, como essa pronunciada pelo Papa e motivante deste
texto, quando analisamos a ação de Deus ao longo da história, o vemos como um
Deus que age através de pessoas. Assim olhamos para Auschwitz não como uma
abstenção de Deus, mas sim como uma decepção dos homens. Verdade, quem ficou
decepcionado foi Deus e não os homens. O Senhor sempre esteve no seu lugar,
aguardando a ação dos homens de bem, especialmente dos líderes religiosos que
sempre gerenciaram parcela significativa do poder mundial.
Aliás, ao longo da história, Deus tem se decepcionado muito
com os homens. Não apenas em situações de catástrofes sociais, políticas e
internacionais. Deus tem curtido decepção com a sua “coroa da criação” em
dimensões bem menos expostas aos holofotes da história. Nos lares, nos
relacionamentos, na vida profissional, nos negócios, no tato com o meio
ambiente. Nessas instâncias da nossa vida, muita decepção tem chegado ao
coração de Deus.
Nesse sentido, vale muito a pena uma reflexão a partir da
seguinte pergunta: Você tem decepcionado Deus? Ou seja, tem se omitido na luta
pela justiça, tem abandonado seu posto como soldado do amor e servo da verdade?
Como cônjuge, pais, filhos, profissionais e cidadãos, temos correspondido às
expectativas de Deus?
É claro que não queremos ver repetido o escândalo de
Auschwitz. Mas também devemos ser verdadeiros militantes para que Auschwitz não
seja reeditada em micro-universos como os nossos lares, igrejas, repartições e
praças públicas.
Deus está sempre lá, no lugar dele, nos olhando com seus
olhos de amor, perdão, graça e misericórdia. Aguardando nossa atitude de
rejeição a Auschwitz e de preservação do nosso compromisso com os valores do
Seu reino. Amém por isso.